domingo, 13 de janeiro de 2013

Feridas abertas

Lucia nunca imaginou que algo intangível pode ser tão apalpável e nocivo. Cética, somente sentia dor ao enfiar a faca em seu dedo no ato de cortar legumes, ou quando chutava a quina de algum móvel com o dedo mindinho do pé. Essas coisas doem demais, mas descobriu que as dores do coração são muito piores do que apendicite ou pedra no rim. Descobriu que existem coisas que não precisam ser tocáveis para matar, para mutilar, para corroer. Existem coisas piores que as armas letais e que um coração destruído deixa um tiro de Colt no chinelo.
Porque morrer é muito simples, se tratando de dor. Padecer com longevidade que é cruel. E ela já não suportava mais aquele sofrimento. Coisas que somente a vida tem a oferecer. Principalmente às pessoas que pensam que as coisas só acontecem com os outros. Vem a vida e te deixa no chão, em farelos.
Ela já pensou em fugir, em sair correndo pelo mundo imitando o Forrest Gump e até começar a fazer Yoga, qualquer coisa que curasse aquela ferida. Mas nada adiantava para Lucia.
A dor da perda, da saudade, da solidão, da tristeza eram dores reais e feridas que não poderiam ser vistas a olho nu.
Se pudéssemos ver nossa alma, acho que veríamos coisas bem desagradáveis ao sairmos na rua. Zumbis ou monstros com chagas abertas e putrificadas, seres escuros e opacos, destituídos de luz caminhando normalmente sob a luz do sol, portando maletas e paletós.
Sorte nossa?
Lucia sempre foi tão preocupada com sua aparência, talvez seria mais vaidosa com sua mente também ao saber o estado que se encontra.
Todos seríamos.
Por enquanto não inventaram a pomada para curar essas cicatrizes. Não inventaram a formula química para sanar essas dores. E ainda há muito o que sentir, ainda bem.
A dor é uma forma de sentir que ainda se está vivo, e isso é uma serventia muito grande para algo que pode destruir sua sanidade.
Depois de decifrar esse código que a dor trás consigo, Lucia vestiu um moletom e saiu para uma volta. Voltou sabendo que os carros andam, as flores desabrocham, a chuva molha e o vento passa. Voltou viva, com uma ferida a menos.



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