segunda-feira, 8 de abril de 2013

Banho

Tocou a campainha e eu fui cambaleando até a porta. Com dificuldade abri,  minha cabeça ainda girava. Ela entrou sem perguntar se pode e me acompanhou até o banho.
Durante o processo da tiragem de roupas começou com as perguntas:
- Pra que ficar assim?
- Não sei. Me deixa.
- Você não tá bem assim, está?
- Não, não to.
- Isso te trás alguma coisa?
- Nunca vi ninguém contar uma história começando com "Uma vez eu bebi um litro de leite..."
- Então você tem história pra contar. Que histórias? Elas são histórias boas?
Minha cabeça doía, abri lentamente o chuveiro. Enquanto a água tentava entrar em um acordo entre o frio e o quente, tentava responder:
- Olha... não são as melhores histórias. Na verdade, não são boas, eu sempre me ferrei no final delas.
Sem as roupas consegui identificar alguns arranhões, uns roxos. Já em baixo do chuveiro minhas costas ardiam. Passando a mão identifiquei o relevo dos vergões nas costas. Junto com esse machucado, meu corpo todo estava dolorido.  Ela deu uma olhadinha e disse:
- Hm, tá feio. Você caiu?
- Não lembro.
- E suas histórias?
- Não lembro.
- E suas vitórias?
- Não lembro.
- Então não tem?
- Não desse jeito.
- E as pessoas que estavam com você?
Abaixei a cabeça tentando me lembrar das pessoas que estavam comigo, como estavam... Nisso a campainha toca novamente. Ela mesmo se preocupa em abrir a porta e permitir que sua amiga entre. As duas começaram a me observar. Sua amiga perguntou:
- Eles te viram nesse estado?
- Acho que sim. - Respondi corando.
É né. Eu tava lá me afogando na desinflação do meu ego. Com a Culpa e a Vergonha lado a lado me olhando nesse momento tão solene. Da noite anterior, lembrava aos poucos de alguns vexames.
Tocou novamente a campainha. Era o Arrependimento.
A Vergonha aproveitou para ir atender e eu já fui dizendo:
- Opa! Vai não.
- Por que não? - Disse a Culpa.
- Porque eu não preciso dele aqui.
- Tem certeza? - Perguntou a Vergonha.
- Tenho sim. - A campainha parou de tocar - Eu sei que errei, que ultrapassei todos os limites da consciência e agi inconsequentemente. Não me orgulho disso, mas não vou carregar comigo o Arrependimento. Ele é um cara pesado e além do mais, muito folgado. Entra aqui e logo quer morar. Não. Dessa vez deixa ele lá fora ok?
As duas assentiram entre si. Fechei os olhos para permitir que a água caísse ao rosto e ao abri-los novamente, as duas amigas: a Culpa e a Vergonha, já não estavam mais ali.
Enquanto houverem motivos para cultivo do arrependimento, da culpa e da vergonha, não haverá espaço para novos aprendizados. Aprender com os erros é entregar-se completamente à aceitação de falha e desafiar-se à superação.
O reconhecimento racional de um erro é o primeiro passo para o auto-perdão. O auto-perdão é o primeiro passo para a liberdade condicional.
Permita-se.

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