Uma visita.

Até que enfim, ele bateu à minha porta. Ele já batia há muito tempo, mas eu fiz questão de trancá-lo lá fora. Até que o barulho de suas batidas ficaram cada vez mais fortes e foi impossível ignora-lo. Relutante, me dirigi até a porta com a chave em punho. Já não acreditava em muita coisa. Pensei: "Qual o mal em deixá-lo entrar? Já não estou na lama?" E sem perceber já girava o trinco e ele já havia se instalado no sofá, sem os sapatos, tomando conta do controle da televisão. Tomou conta, na verdade, foi de tudo. Da casa inteira. Não só de um comodo ou outro. Se ocupou por inteiro.
Já não importava mais. Ele entrou com a minha permissão e com empurrões de quem estava do lado de fora. Me cobriu de desilusões, já aproveitou e roubou todas as expectativas, destruiu com tudo. Olhou nos meus olhos, pegou aquilo que eu guardava com tanto estimo e afeição, aquilo que eu chamava de sonhos e os despedaçou na minha frente. Não tive nenhuma reação.
Não tinha de ter.
Ele levou junto tudo aquilo que eu chamava de vontade.
Eu nem me dava conta, ele foi tirando de mim as coisas sem pedir. Eu apenas ignorava no começo, mas hoje eu realmente me dei conta de que ele já estava ali.
Hoje ele se levantou do sofá, olhou pra insignificância do meu ser e afirmou ainda mais esse fato. Cuspiu em mim e disse que nada que eu fizer pode gerar algum resultado. Pior que lixo, sou totalmente inútil. Porque lixo ainda serve pra adubar a terra.
Não sou eu que estou dizendo, foi ele que disse. Aliás, ele também me tirou as palavras, me tirou as forças para lutar.
Ele é mais devastador que o medo.
Pior que o frio.
Mais cruel que a morte.
Ele te mata em vida.
Ele...
é o Desânimo.

Mas eu sei o que eu vou fazer.
Eu vou fugir de casa.